Eu havia
acabado de trocar de sala. Algumas mudanças tinham ocorrido nas disposições das
turmas e fui parar na sala ao lado do segundo ano. Era meu último ano no ensino
médio, conhecia cada buraco daquela escola, cada professor, funcionários,
alunos, os mesmos rostos curiosos a circular pelos corredores no intervalo. No
entanto, sentado aos pés de um dos pilares do corredor, lendo alguma coisa sobre
o joelho dobrado, me deparei com o inusitado. Cabelo curto, rosto fino e um
olhar inocente. Vez por outra abria um leve sorriso com a leitura. Fiquei
anestesiado. Como não poderia ter notado?
Não sabia
exatamente o porquê, mas aquele garoto havia despertado em mim uma súbita atração,
decorrente talvez de sua beleza, ou da similaridade com o modelo de perfeição
que idealizamos. A sirene do fim do intervalo tocava, enquanto eu tentava
disfarçar o olhar penetrante que acompanhava os movimentos dele até a porta de
sua sala. Os dias seguintes confirmaram minha teoria: estava apaixonado.
Não havia um
dia sequer ao chegar à escola que não o procurasse com os olhos. Encontrava
sempre um jeito de vê-lo antes da aula começar, passava pela porta de sua sala
no meio da aula, e meus intervalos eram todos dele. Se estivesse no pátio, era para
lá que eu iria, se permanecesse no gramado ou nos corredores, por lá eu também me
encontraria. Virou minha obsessão.
Decidi então
investigar melhor sua vida, como se chamava, onde morava, mas não ousaria uma
tentativa de aproximação. Ele parecia um perfeito hétero, embora nessa época eu
mal conseguisse distinguir um cisco de uma paquera. Mas devagar consegui
descobrir que ele morava numa cidade vizinha e todos os dias pegava a estrada
em um “pau de arara” ao lado de outros estudantes. Fiquei determinado a
descobrir a qual cidade aquele carro pertencia.
E chegando à
escola um determinado dia, tive a chance que esperava. O carro estava parado ao
lado do muro e o motorista separava alguns papéis do lado de fora. Tomei fôlego
e me aproximei perdendo chão a cada passo. O homem se voltou para mim, e como
se eu estivesse tranquilamente procurando transporte para viajar, perguntei.
- Esse carro vai
pra onde?
O homem disse
lá o nome de uma cidadezinha que eu já tinha ouvido falar, embora nunca tivesse
ido. Agradecido, me retirei. Podia imaginar o olhar indagativo do homem atrás
de mim. Mas que importava? Agora sabia onde meu pupilo morava. Ah, minha mente
fantasiou tantas ideias. Poderia pegar um carro um fim de semana e ir visitar a
cidade, quem sabe esbarrar nele e sair com aquela, “opa, você não estuda em tal
escola?”, e nossa amizade surgir daí. Mas como justificar a viagem a minha mãe?
E nem o nome dele eu sabia. Como iria encontrá-lo lá?
Foi então que
para surpresa minha, o próprio resolveu me dá uma forcinha. Reparei certa vez durante
o intervalo, que havia um nome riscado à caneta na perna da calça da farda dele,
em toda a extensão da coxa. Olhei fixamente e identifiquei. Dante. Seria o nome
dele? Esquisito. Precisava confirmar. E encontrei o meio através do professor
de biologia. Augusto era completamente descontraído. Não havia aquele muro
entre aluno e professor com ele, de modo que se algum aluno quisesse saber sua
nota do bimestre anterior e ele estivesse longe do diário de classe, o aluno
tinha total permissão para ir até lá e conferir. Foi o que acabou acontecendo
comigo. Porém, eu aproveitei a oportunidade e chequei a turma do segundo ano, e
lá estava com todas as letras, Dante.
Agora sabia
seu nome e onde morava. Mas de que me adiantava? Eu nunca teria nada com ele. Resolvi
então criar meu universo paralelo, onde Dante era o meu melhor amigo e até já
havia me convidado para ir a sua cidade. Foi essa a versão que apresentei a
minha mãe e até a Lisa, a garota com quem eu namorava já há alguns meses. Me
contentava em fantasiar a elas, minha forte amizade com ele. Toda semana criava
uma história diferente que envolvia Dante e a sua popularidade na escola. Dante
e as meninas que se derretiam por ele. Dante e sua semelhança com Murilo
Benício. Tanta confidência acabou despertando o interesse de Lisa, e logo ela
estava ansiosamente curiosa para conhecê-lo. Era melhor eu diminuir o ritmo ou
a coisa poderia sair do controle.
Voltei a focar
na realidade a partir daí. Estava cada dia mais envolvido por Dante, e todas
aquelas histórias que havia contado sobre ele só aumentavam ainda mais meu
desejo de ter realmente algum contato com ele. Precisava fazer algo. Dante
precisava ao menos tomar conhecimento do carinho que sentia por ele, precisava
saber o quanto alguém ali na escola o estimava. Decidi então escrever um cartaz
numa folha de ofício e pregar no quadro de sua sala, para que não só ele, mas
toda a turma lesse e gerasse aquele murmurinho em torno de sua pessoa. A ideia
de vê-lo se sentindo o máximo entre os colegas, estimulava minha imaginação.
E eis que
preparei o cartaz descrevendo o quanto o admirava, o achava bonito e possuía muitas
outras qualidades. A ideia era chegar um pouco mais cedo na escola e pregar o
cartaz antes que qualquer aluno chegasse. Mas sempre aparecia alguém ou eu me
sentia suspeito por ser o único a circular tão cedo pelos corredores, de modo
que o cartaz foi ficando. Talvez fosse melhor escrever uma carta. Sim, uma
carta endereçada unicamente a ele. Jogaria no carro que ele viajava e pronto. Mas
não me identificaria a princípio. Precisava de um pseudônimo convincente. Escrevi
como se fosse uma prima minha que se apaixonara por ele, mas não tinha coragem
de se declarar, pedindo encarecidamente que eu lhe fizesse o favor de entregar
a carta. Modifiquei até a letra. Tudo estava armado. Mas assim como o cartaz,
também não encontrei a ocasião perfeita e ela também foi ficando.
Até que um
dia, uma declaração escolar modificou os planos. Minha mãe me cobrava
constantemente esse documento da escola, não me recordo para quê. O fato é que
eu já tinha solicitado, já estava comigo, só que em meio à minha papelada, não
conseguia encontrar. Pois ela resolveu agir, e numa determinada manhã quando
acordei e abri a porta do quarto, estava lá na sala, meu caderno aberto, vários
papéis em volta, a declaração nas mãos de minha mãe e ao lado, o cartaz e a
carta para Dante.
- Encontrei a
declaração. Agora o que é isso aqui?
Foi uma
pergunta tão apreensiva pelo conteúdo da resposta, que eu não sei quem estava
mais gelado. E eu tinha apenas alguns segundos para conseguir elaborar uma
justificativa aceitável. Mas como já diz o ditado, quem brinca com fogo...
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