dezembro 06, 2011

O encontro [parte I]

Eu entrei na sala todo arrumadinho. Cabelo molhado, tênis, bermuda, camisa desamassada.
- Vai pra onde assim?
Foi minha mãe quem perguntou. Ela não estava sozinha. Meus avós assistiam televisão um pouco mais a frente, enquanto uma tia minha e duas primas que estavam de visita terminavam de comer pipoca no sofá.
- Vai se encontrar com aquela menina.
Respondeu minha prima mais nova, enciumada. Não, ela não era a fim de mim, apenas não queria dividir o primo com quem brincava com mais ninguém. Principalmente perder uma noite de travessuras na casa da avó. Eu não dei muita atenção ao seu comentário. Por um instante as nossas brincadeiras pareceram infantis demais ao meu mundo. Estava crescendo. Era evidente! E aquela noite representava o primeiro passo da minha transição. Queria ser como os garotos da minha idade das novelas, que saíam à noite e namoravam.
A menina a que minha prima havia se referido era Kelly, uma garota três anos mais velha, que eu tinha conhecido no catecismo. Ritinha, a prima dela, me disse que ela estava interessada em mim, e eu querendo parecer maduro, coloquei na cabeça que tinha que ficar com ela, assim acabei marcando um encontro.
Demorou um pouquinho para perceber que apenas ‘eu’ acreditava nesse encontro, nem mesmo a própria Kelly. Minha mãe teria vibrado com a possibilidade de conhecer a primeira nora, mas a pequena diferença de idade, que naquela fase representava muito, atrapalhou. Ela dizia que uma garota de 14 anos já tinha muitas experiências pra namorar um menino de 11. O ideal seria eu encontrar uma garota da minha idade. Ela não bateu muito na tecla porque não estava levando a sério meu encontro. Mas contrariando todas as expectativas, saí de casa e fui para a praça principal.
Em pouco tempo, encontrei meu amigo Ravier e ficamos conversando enquanto chegava a hora marcada. Alguns minutos depois, Kelly e Ritinha passam. Mas não fui atrás delas, o encontro era somente às 7h, e na pracinha do cemitério. Simplesmente as cumprimentei e avisei que estava indo para o local. Elas apenas riram. Ravier me acompanhou até a pracinha e depois me deixou lá sozinho esperando Kelly. O tempo passou e nenhum sinal de encontro no ar. Comecei a me sentir um bobo. Seria possível que Kelly não estivesse mesmo a fim de mim e teria apenas me enganado com Ritinha? De repente essa ideia começou a ser um alívio, seria uma saída razoável dessa situação inusitada que criei sem nem medir as consequências. Mas logo bateu o nervosismo quando vi Kelly se aproximar.
Ela não parecia normal. Estava agitada, inquieta. Me levou para o outro lado da pracinha, bem em frente ao cemitério mesmo e confessou só ter ido porque Ravier a tinha convencido de que eu realmente a estava esperando. Não sei quem ficou mais surpreso, se eu por perceber finalmente o papel de palhaço que tinha feito ou Kelly em descobrir que eu falava sério sobre o encontro. Olhei pra ela, sentei no banquinho, observei a fachada do cemitério e só um pensamento rondava minha cabeça: “o que é que eu tô fazendo aqui?”. Na televisão era tão simples. Os meninos marcavam os encontros e na sequência de cortes muitas vezes nem víamos o que acontecia. Eles só curtiam a imagem de namoradeiros. Mas a cena ali era real e ela, uma garota "bem mais experiente", esperava alguma atitude do retardado ali.
Somente aí me dei conta da besteira que estava fazendo. Criando um problemão que não sabia como resolver. E agora o que faria? Daria logo um beijo e voltaria pra casa? Mas e depois? Iríamos ficar namorando? Mas por que diabos eu fui inventar isso? Querendo me livrar logo daquela situação, me aproximei dela todo desengonçado na intenção de beijá-la. Mas para minha surpresa ela se virou.
- Aqui não! Minha tia mora aqui perto e pode passar a qualquer hora.
Nem foi preciso dizer mais nada. Ritinha e Ravier se aproximaram correndo numa bicicleta, que surgiu não sei de onde
- Sua mãe tá vindo aí. Disseram a ela que te viram com um menino aqui.
A tensão que se instalou com o aviso de Ritinha de fato me alegrou muito. Ótimo! Agora vamos cada um pra sua casa e fingimos que essa noite não existiu. Não vejo a hora de comer pipoca na casa da minha avó e brincar de novo com minhas primas.
- Vamos descer por aquela rua!
Hã? Kelly estava mesmo interessada em fazer a noite valer a pena. Para meu desespero.
- A gente vai atrás de vocês pra ter certeza que sua mãe não vai te encontrar.
Pronto! Teríamos até plateia. Digno de um roteiro de cinema. Se eu queria parecer algum galã, agora com certeza acabara de ganhar o papel central em um thriller macabro, no qual o mocinho seguia de encontro à morte ainda na primeira cena.

13 comentários:

  1. Gostoso de ler o seu texto!
    Real ou ficção, continue a história pra gente!

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  2. muito bom mesmo, qro saber o que vai dar isso. mas o Alex me deixou com a pulga atrás da orelha: é ficção?

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  3. Não é só diversão. É prazer mesmo, da leitura, GI, muito real. Bem, prazer também é diversão... então vc tá certo!

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  4. Caraca... adorei o post, essas histórias são ótimas e a gente se mete em cada uma né?! E é bem o que você falou, de repente, surge aquela coisa do "e o que é que eu estou fazendo aqui"...

    Isso me lembrou uma história comigo:http://tinmanbr.blogspot.com/2007/06/o-presente.html

    Quando tiver um tempo, se quiser dá uma lida... kkk

    Abração!

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  5. Eu me assusto quando vejo o quanto as pessoas são precoces hahaha

    Fala pessoa incomum que é mais comum do que incomum (oi?). Eu vi seu comentário tem um tempinho lá no uivos, mas só agora que tive tempo de sentar no PC pra blogar com calma. Dei uma lida nos posts antigos também. Gostei muito da sua forma de escrever, é bem levinha. Sigo te acompanhando.

    Um beijo.

    Beijos assustados com essa juventude precoce hahaha.

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  6. Pois então! Agradeço e retribuo o carinho da visita. Uma delícia esta sua forma de escrever e partilhar suas emoções e sentimentos. Sou de um outro tempo. Um tempo em que vc nem sonha como era ... rs ... se o Lobo se assusta com a precocidade, imagina eu? OMG! Mas fazer o que né? O mundo gira. Estas experiências infantis são muito loucas. Eu, felizmente nunca me aventurei neste tipo de lance. Acho q de alguma forma já sacava q seria uma grande fria para mim ... enfim ... qdo vivenciei algo do tipo já foi com garotos mesmo ... graças a Deus ... rs

    bjão querido ... seguindo e linkando ...

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  7. Isso me lembrou meu primeiro beijo, foi mais ou menos nessa idade e bem parecido, foi meio "o que eu to fazendo aqui?", fica dificil quando você vê todo mundo crescendo e você só quer brincar mais um pouco, mas aí vem a idade, vem a repressão, a cobrança e você cresce e pra quê?

    Quero ler as proximas partes...

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  8. Eu tb me lembrei do meu primeiro beijo.. Só que eu apenas queria que as pessoas sumissem... rs

    Abraços!!

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  9. Olá, passei para agradecer a visita e não posso sair sem dizer que adorei o texto. Me diverti de verdade com as 'peripécias' do 'menino incomum" de 11 anos (ou ainda era comum na época?), assustado com a 1ª 'namorada'.
    Retornarei para a sequência.
    Abraços.
    Junior.

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  10. Pior fui eu que dei o meu primeiro beijo aos 21. Porem de cara ja beijei um homem, nada de mulheres ate hj...

    Curioso para o proximo post!

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  11. Pois é, Jardineiro, cada um com suas experiências de como viveu o processo de aceitação da homossexualidade.
    Faz parte!! =)

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  12. paoskaopksapkaokosa
    oloko

    eu me lembro de ficar tenso quando eu botei na cabeça que queria dar meu 1o beijo tb.
    Todo dia depois da aula eu caminhava junto com uma amiga da classe até um ponto onde os caminhos divergiam. Tínhamos uns 14 anos. Os amiguinhos sempre diziam que eu estava afim dela, e acabei acreditando neles :P como eu era completamente inexperiente em guiar uma menina, mesmo que da minha idade, tb fui desengonçado num dia nos abraçamos para nos despedir e tudo o que pude fazer foi um selinho. Não sabia se continuava ou se saia correndo pra casa. Acabei optando pela segunda opção. Foi uma das cenas mais constrangedoras da minha vida lol Ainda morro de vergonho se a vejo na rua.

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  13. hahaha... eu bati os dentes de nervoso...

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